sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A crise escorpionica no Brasil – situação em 2018 porém muito atual em 2019





A mídia tem divulgado nos primeiros sete meses de 2018 uma série de acidentes envolvendo picadas por escorpiões. Os dados encontrados no site Ministério da Saúde estão atualizados até 2017 evidenciando um aumento de 36% entre 2016 e 2017 dos casos de picadas por escorpiões em todo o Brasil. Porém se fizermos uma comparação entre o ano de 2000 e 2017 veremos um acréscimo de cerca de 900% em número de casos, e esse percentual varia de 5% a 30% ano após ano. É fato que os casos de acidentes por escorpiões têm aumentado progressivamente necessitando de alertas à população para se prevenir contra estes aracnídeos.
Trocando em miúdos, os escorpiões são animais que pertencem ao filo Artropoda, Classe Arachnida e Ordem Scorpionida. Os escorpiões responsáveis pelos ataques a humanos no Brasil pertencem à Família Buthidae e são das espécies Tityus serrulatus, Tityus bahiensis, Tityus obscuros e Tityus stigmurus. O veneno produzido por estes animais ataca o Sistema Nervoso Periférico que age como ligação entre o Sistema Nervoso Central e todas as partes do corpo através de seus nervos e gânglios. Essas toxinas escorpiônicas causam massiva liberação de neurotransmissores traduzindo-se em um quadro clínico grave que pode conduzir ao óbito rapidamente em grupos mais vulneráveis como crianças e idosos.



                                                       Figura 1 Tityus serrulatus



                                                  Figura 2  Tityus stigmurus
          

                                     
                                                    Figura 3 Tityus bahiensis

                               
                                                 Figura 4 Tityus obscurus
   
Os escorpiões são muito antigos e provavelmente foram os primeiros habitantes da Terra a pisarem em terra firme. Surgiram no período Siluriano há cerca de 350 milhões de anos atrás e os fósseis encontrados são bastante semelhantes aos animais viventes.

Os escorpiões que causam acidentes graves no Brasil pertencem unicamente ao gênero Tityus (Família Buthidae). Embora existam 54 espécies de Tityus no Brasil, as espécies de importância médica que causam envenenamentos graves ou fatais são T. bahiensis, T. obscurus, T. serrulatus e T. stigmurus.
A espécie T. serrulatus é o principal responsável pelos  acidentes escorpiônicos no Brasil, sendo responsável pela maioria dos casos de maior gravidade e diversos casos fatais.

I - Tabela das principais espécies e sua distribuição
Espécie
Distribuição
Informações sobre acidentes
Tityus bahiensis
Regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul
Segundo maior causador de
acidentes na região Sudeste
Registro de acidentes graves
em crianças
Tityus obscurus
Regiões Norte e Centro Oeste
Causador de muitos acidentes na região Norte
Tityus serrulatus
Regiões Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul
Causador do maior número de acidentes no Brasil Maior frequência de acidentes graves Principal causador de óbitos no país
Tityus stigmurus
Região Nordeste e Sudeste
Causador do maior número de acidentes na região Nordeste Com registros de surtos populacionais em capitais do Nordeste, como Salvador e Recife

Os escorpiões são animais noturnos e carnívoros. Sua principal dieta consiste em insetos variados. O encontro do animal com um humano decorre de vários fatores. No ambiente rural, estes encontros podem acontecer a trabalhadores da terra, poceiros e outras atividades que aproximem o homem de seus esconderijos preferenciais, em troncos podres, sob pedras, madeira ou no solo úmido da mata. Nas cidades eles se escondem perto de residências humanas em entulhos, em madeiras empilhadas, aparecem em linhas de trem sob os dormentes ou ainda em cemitérios, sob as lajes dos túmulos. Sua presença em cemitérios tem uma razão de ser especial. Neste local há grande abundância de baratas da espécie Periplaneta americana. Essas baratas circulam por entre os túmulos, consumindo restos mortais e as baratas são uma presa bastante apreciada pelos escorpiões.

O escorpião evita transitar durante o dia. Como se trata de um animal caçador ele é mais frequentemente encontrado à noite. Os pesquisadores destes animais costumam utilizar a luz ultra violeta para encontrá-los com facilidade à noite. Por alguma razão ainda não muito esclarecida, o dorso destes animais fluoresce na presença da luz ultra violeta o que facilita muito a sua visualização.
Um aspecto interessante da biologia do escorpião é a sua reprodução. Nas espécies que dependem do macho há todo um ritual em que o macho libera a sua bolsa de esperma no solo e segura a fêmea pela queliceras puxando-a para o local onde está a bolsa que é transferida para a abertura genital para então ocorrer a fecundação.

No caso da espécie T. serrulatus isso não é necessário, já que esta espécie é partenogênica, ou seja, dispensa a interação do macho na multiplicação da espécie.

O que fazer em caso de acidente

No caso de um acidente ocorrer, o Ministério da Saúde orienta no sentido de manter o paciente com compressas mornas e analgésicos e remove-lo de imediato para uma Unidade Hospitalar para o atendimento. A rapidez de deslocamento é essencial nesses casos, especialmente em pacientes menores de sete anos. O médico vai avaliar que tipo de tratamento usar. Nem sempre é necessário a utilização do soro específico, mas isso vai depender de várias condições que só um médico treinado pode avaliar. Nunca usar gelo no local da picada pois pode aumentar a dor. Não há tratamento caseiro para picada deste animal. Lavar o local da picada com água e sabão; não fazer torniquete ou garrote, não furar, não cortar, não queimar, não espremer, não fazer sucção no local da ferida e nem aplicar folhas, pó de café ou terra sobre ela para não provocar infecção; não ingerir bebida alcoólica, querosene, ou fumo, como é costume em algumas regiões do país; levar a vítima imediatamente ao serviço de saúde mais próximo para que possa receber o tratamento em tempo e se for possível, levar o animal causador da picada para facilitar o tratamento através da identificação do animal.

Os primeiros sintomas
O sintoma inicial da picada de escorpião é uma dor intensa no local da lesão. Outros sintomas podem aparecer como suor excessivo, vômitos, aumento da salivação, taquicardia, pressão baixa, falta de ar.

Como prevenir acidentes
·         Manter jardins e quintais limpos. Evitar o acúmulo de entulhos, folhas secas, lixo doméstico e materiais de construção nas proximidades das casas;
·         Evitar folhagens densas (plantas ornamentais, trepadeiras, arbusto, bananeiras e outras) junto a paredes e muros das casas. Manter a grama aparada;
·         Limpar periodicamente os terrenos baldios vizinhos, pelo menos, numa faixa de um a dois metros junto às casas;
·         Sacudir roupas e sapatos antes de usá-los, pois as aranhas e escorpiões podem se esconder neles e picam ao serem comprimidos contra o corpo;
·         Não pôr as mãos em buracos, sob pedras e troncos podres. É comum a presença de escorpiões sob dormentes da linha férrea;
·         Usar calçados e luvas de raspas de couro;
·         Como muitos destes animais apresentam hábitos noturnos, a entrada nas casas pode ser evitada vedando-se as soleiras das portas e janelas quando começar a escurecer;
·         Usar telas em ralos do chão, pias ou tanques;
·         Combater a proliferação de insetos, para evitar o aparecimento dos escorpiões que deles se alimentam. As baratas costumam habitar as redes pluviais e de esgotos e esse caminho é utilizado pelos escorpiões também em buscas de suas presas;
·         Vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos e vãos entre o forro e paredes, consertar rodapés despregados, colocar saquinhos de areia nas portas, colocar telas nas janelas;
·         Afastar as camas e berços das paredes;
·         Evitar que roupas de cama e mosquiteiros encostem no chão. Não pendurar roupas nas paredes; examinar roupas, principalmente camisas, blusas e calças antes de vestir;
·         Acondicionar lixo domiciliar em sacos plásticos ou outros recipientes que possam ser mantidos fechados, para evitar baratas, moscas ou outros insetos de que se alimentam os escorpiões;
·         Preservar os inimigos naturais de escorpiões e aranhas: aves de hábitos noturnos (coruja, joão-bobo), lagartos e sapos.
O controle de escorpiões não se faz com o uso inseticidas. Apesar de existirem algumas formulações registradas para este fim os inseticidas só são úteis se forem aplicados para eliminar as baratas que vivem nas redes subterrâneas de esgotos e águas, privando-o assim do seu alimento preferido.
Situações mais graves, em que os escorpiões se espalham por um bairro, ou prédio é necessária a presença de um especialista para ditar diretrizes de controle, inclusive do aspecto preventivo.
Algumas situações permitem o uso de animais como galinhas como controle biológico.
O trabalho preventivo de remoção de resíduos que sirvam como abrigo para estes animais é o mais importante e deve ser praticado na presença ou ausência de escorpiões.
Lucia Schuller
Bióloga e Mestre em Saúde Pública