terça-feira, 25 de agosto de 2015

O FUTURO DO SETOR DE PRAGAS URBANAS

CONTROLE INTEGRADO DE PRAGAS URBANAS
UM DESAFIO DE EDUCAÇÃO
O FUTURO DO SETOR DE PRAGAS URBANAS

Estamos no Século XXI e os avanços tecnológicos decorrentes das pesquisas de grandes empresas têm facilitado a comunicação entre os povos. Abrimos o computador e temos imediato contato com uma pessoa que esteja do outro lado do mundo. Há um preço a pagar por tudo isso e esse preço é acharmos que podemos resolver tudo com a tecnologia. Nós profissionais de controle de pragas lidamos com a vida, com organismos, que convivem conosco, e que são a razão da constituição das nossas empresas.
Na ocasião de minha formação de ciências biológicas uma professora de zoologia comentou a respeito da produção de artigos científicos e a excessiva importância que os pesquisadores davam às análises estatísticas em detrimento da observação e acompanhamento do comportamento das espécies.
O Biólogo aprende a treinar sua visão para observação dos organismos em estudo e, nós, profissionais de controle de pragas, todos temos um pouco de biólogos, mesmo que tenhamos nos formado em veterinária ou qualquer outra profissão. Nossa atividade exige que tenhamos um conhecimento prévio da biologia, ecologia, etologia dos animais foco no nosso dia a dia.
Aqui no Brasil, pesquisas recentes relatam que o consumo de agrotóxicos tem aumentado a cada ano, graças a um estímulo que teve o seu início nos tempos da ditadura militar. Não há duvidas que a agricultura seja presa fácil, pois as perdas geradas por pragas pesam muito na balança e podem representar a falência.
Em 1962, Rachel Carson, uma bióloga marinha norte americana publicava o seu livro SILENT SPRING (PRIMAVERA SILENCIOSA), nos Estados Unidos. Após essa publicação, uma grande comoção tomou conta do povo norte americano, que passou a ler e discutir, pela primeira vez, na sua história, as questões ambientalistas, o uso indiscriminado de pesticidas, o risco a que as pessoas estão expostas constantemente ao abusar destes produtos.
Dois anos mais tarde, por ironia do destino, ou, simplesmente, porque a sua missão já estava encerrada, Rachel Carson morre, de câncer. Mas o seu legado para a sociedade foi único e fundamental. Suas denúncias de agressões ao meio ambiente bem como das substâncias tóxicas que estavam sendo incorporadas à cadeia alimentar e chegando à mesa de milhões de norte americanos provocaram uma onda de debates e discussões em todas as escolas, universidades e grupos sociais do país.
A Bióloga Rachel Carson foi uma das estimuladoras da criação da EPA (Environmental Protection Agency) (Agência de Proteção ao Meio Ambiente) que veio a ser fundada em 1970 nos Estados Unidos.  

A EPA tornou-se um organismo da maior importância nos Estados Unidos e no mundo, regulando, normatizando, fiscalizando todas as ações, produtos, equipamentos, que pudessem de alguma forma interferir negativamente nas pessoas e no meio ambiente.
A contribuição de Rachel Carson é inegável, porém os interesses financeiros prevalecem sempre, infelizmente. Na atividade de controle de pragas isso também aconteceu. Lembro-me de minhas primeiras visitações a clientes que esperavam que eu entornasse no ambiente deles uma quantidade de inseticida suficiente para deixar um cheiro forte, demonstrando à gerencia e outros funcionários que o “controle” estava sendo feito. Quando se mencionava a necessidade de praticar algumas ações simples que pudessem refrear a presença das pragas no ambiente isso era sempre visto como uma forma de nos esquivarmos ao compromisso de eliminar as pragas.
Nos dias de hoje a informação está mais bem difundida e tenho investido muitos anos da minha carreira profissional na educação, na disseminação do conceito integrado de pragas. Há uma melhor aceitação desses conceitos, sem dúvida, mas há muito que fazer para solidificar essa politica. Nos Estados Unidos, país que serviu para modelo nosso nesse trabalho, a aceitação da nova filosofia foi mais difícil. Em certa ocasião cheguei a assistir a um vídeo de um profissional conhecido que falava que não há desculpa para um controlador de pragas não desempenhar o seu papel, mesmo que seja num ambiente cheio de problemas estruturais e ambientais. A ênfase sobre os produtos químicos era fortíssima e continua sendo. Basta uma rápida leitura das revistas do ramo para ver a quantidade de anúncios de empresas de produtos químicos e artigos sustentando os seus pontos de vista. A indústria de controle de pragas nos Estados Unidos é muito forte, mas no Brasil é incipiente, já que os próprios fabricantes alegam ser a fatia insignificante perto do mercado agrícola, cerca de 1% do total.
No Brasil não há nenhuma estimativa a respeito já que, infelizmente, apesar da nova legislação introduzida no ano de 2000, ainda há uma grande quantidade de “empresas” sem qualquer tipo de registro, sem receberem acompanhamento periódico das equipes de Vigilância Sanitária. Existe uma estimativa de termos no Estado de São Paulo cerca de 3.500 empresas em funcionamento, legalizadas e não legalizadas e que somente 10% dessas estejam legalizadas frente à Autoridade Sanitária. Se considerarmos uma média de cinco aplicadores em cada empresa teremos 17.500 aplicadores liberando todo tipo de pesticida de uso profissional nos ambientes urbanos diariamente. As 90% de empresas não legalizadas certamente não investem em treinamento, em procedimentos ou qualquer outra ferramenta que garanta a segurança das aplicações e com suas atividades expõem a população urbana a malefícios que vão desde intoxicações até acidentes envolvendo bens materiais e pessoas.
Continuo, no entanto, com as mesmas ideias do início da minha carreira. Não acredito em controlar pragas sem conhecer as suas particularidades a fundo que conduzam a elaborar estratégias que incluam ou não o controle químico.
O conceito de controle integrado de pragas abrange oito passos distintos: Inspeção, Educação, Higienização, Construção, Manutenção, Exclusão, Pesticida e Monitoramento. Todas essas etapas são importantes e o peso de cada uma vai variar conforma as circunstâncias ambientais encontradas.
Inspecionar significa ter olho clinico para todas as formas de acesso ou oportunidade para as pragas, o que exige um conhecimento profundo de seu comportamento e biologia, o que conduz à educação do profissional, do cliente, dos funcionários. Sem educação não há futuro, não há controle, sempre haverá pragas. Os itens seguintes dizem respeito à forma como erguemos nossas estruturas urbanas. Nossa ilusão é sempre a de que as pragas não precisam ser pensadas nesse momento, pois elas podem ser combatidas depois, e isso é um engano. O trabalho preventivo é importante demais e reduz muito as possibilidades das pragas terem acesso às estruturas urbanas. O uso de pesticidas que ainda é tão valorizado pode ser superado se houver um trabalho sério preventivo. Todas as vezes que usamos pesticidas corremos riscos, ambientais, humanos, que podem ser minimizados. E como fica o trabalho do profissional de controle de pragas, onde ele se encaixa nesse quebra-cabeça? Aí mesmo, nessa balança equilibrada entre prevenção a ação química, enriquecendo o conhecimento a respeito desses animais, trabalhando como consultores que vão prevenir males futuros. Durante a ultima Expoprag cheguei a conversar com uma empresa do Paraná que trabalha única e exclusivamente com consultoria preventiva e um mínimo de ação química nos ambientes, orientando adequadamente os clientes na real e definitiva solução de seus problemas com pragas.
O futuro nosso é esse, aqui ou em qualquer outro país. As realidades são diferentes, não há dúvida, até mesmo no Brasil, que é um país continental com vários brasis dentro dele, há espaço para uma mudança de atitude e de visão. Basta querer, basta investir e agir.

Lucia Schuller

Bióloga e Mestre em Saúde Pública
Artigo publicado na revista CIPA nº 430