CONTROLE INTEGRADO DE PRAGAS URBANAS
UM DESAFIO DE EDUCAÇÃO
O FUTURO DO SETOR DE PRAGAS URBANAS
Estamos no Século XXI e os avanços
tecnológicos decorrentes das pesquisas de grandes empresas têm facilitado a
comunicação entre os povos. Abrimos o computador e temos imediato contato com
uma pessoa que esteja do outro lado do mundo. Há um preço a pagar por tudo isso
e esse preço é acharmos que podemos resolver tudo com a tecnologia. Nós
profissionais de controle de pragas lidamos com a vida, com organismos, que
convivem conosco, e que são a razão da constituição das nossas empresas.
Na ocasião de minha formação de ciências
biológicas uma professora de zoologia comentou a respeito da produção de
artigos científicos e a excessiva importância que os pesquisadores davam às
análises estatísticas em detrimento da observação e acompanhamento do
comportamento das espécies.
O Biólogo aprende a treinar sua visão para
observação dos organismos em estudo e, nós, profissionais de controle de
pragas, todos temos um pouco de biólogos, mesmo que tenhamos nos formado em
veterinária ou qualquer outra profissão. Nossa atividade exige que tenhamos um
conhecimento prévio da biologia, ecologia, etologia dos animais foco no nosso
dia a dia.
Aqui no Brasil, pesquisas recentes relatam
que o consumo de agrotóxicos tem aumentado a cada ano, graças a um estímulo que
teve o seu início nos tempos da ditadura militar. Não há duvidas que a
agricultura seja presa fácil, pois as perdas geradas por pragas pesam muito na
balança e podem representar a falência.
Em 1962, Rachel Carson, uma bióloga marinha
norte americana publicava o seu livro SILENT SPRING (PRIMAVERA SILENCIOSA), nos
Estados Unidos. Após essa publicação, uma grande comoção tomou conta do povo
norte americano, que passou a ler e discutir, pela primeira vez, na sua
história, as questões ambientalistas, o uso indiscriminado de pesticidas, o
risco a que as pessoas estão expostas constantemente ao abusar destes produtos.
Dois anos mais tarde, por ironia do
destino, ou, simplesmente, porque a sua missão já estava encerrada, Rachel
Carson morre, de câncer. Mas o seu legado para a sociedade foi único e
fundamental. Suas denúncias de agressões ao meio ambiente bem como das
substâncias tóxicas que estavam sendo incorporadas à cadeia alimentar e
chegando à mesa de milhões de norte americanos provocaram uma onda de debates e
discussões em todas as escolas, universidades e grupos sociais do país.
A Bióloga Rachel Carson foi uma das
estimuladoras da criação da EPA (Environmental Protection Agency) (Agência de
Proteção ao Meio Ambiente) que veio a ser fundada em 1970 nos Estados Unidos.
A EPA tornou-se um organismo da maior
importância nos Estados Unidos e no mundo, regulando, normatizando,
fiscalizando todas as ações, produtos, equipamentos, que pudessem de alguma
forma interferir negativamente nas pessoas e no meio ambiente.
A contribuição de Rachel Carson é inegável,
porém os interesses financeiros prevalecem sempre, infelizmente. Na atividade
de controle de pragas isso também aconteceu. Lembro-me de minhas primeiras
visitações a clientes que esperavam que eu entornasse no ambiente deles uma
quantidade de inseticida suficiente para deixar um cheiro forte, demonstrando à
gerencia e outros funcionários que o “controle” estava sendo feito. Quando se
mencionava a necessidade de praticar algumas ações simples que pudessem refrear
a presença das pragas no ambiente isso era sempre visto como uma forma de nos
esquivarmos ao compromisso de eliminar as pragas.
Nos dias de hoje a informação está mais bem
difundida e tenho investido muitos anos da minha carreira profissional na
educação, na disseminação do conceito integrado de pragas. Há uma melhor
aceitação desses conceitos, sem dúvida, mas há muito que fazer para solidificar
essa politica. Nos Estados Unidos, país que serviu para modelo nosso nesse
trabalho, a aceitação da nova filosofia foi mais difícil. Em certa ocasião
cheguei a assistir a um vídeo de um profissional conhecido que falava que não
há desculpa para um controlador de pragas não desempenhar o seu papel, mesmo
que seja num ambiente cheio de problemas estruturais e ambientais. A ênfase
sobre os produtos químicos era fortíssima e continua sendo. Basta uma rápida
leitura das revistas do ramo para ver a quantidade de anúncios de empresas de
produtos químicos e artigos sustentando os seus pontos de vista. A indústria de
controle de pragas nos Estados Unidos é muito forte, mas no Brasil é
incipiente, já que os próprios fabricantes alegam ser a fatia insignificante
perto do mercado agrícola, cerca de 1% do total.
No Brasil não há nenhuma estimativa a
respeito já que, infelizmente, apesar da nova legislação introduzida no ano de
2000, ainda há uma grande quantidade de “empresas” sem qualquer tipo de
registro, sem receberem acompanhamento periódico das equipes de Vigilância
Sanitária. Existe uma estimativa de termos no Estado de São Paulo cerca de
3.500 empresas em funcionamento, legalizadas e não legalizadas e que somente
10% dessas estejam legalizadas frente à Autoridade Sanitária. Se considerarmos
uma média de cinco aplicadores em cada empresa teremos 17.500 aplicadores
liberando todo tipo de pesticida de uso profissional nos ambientes urbanos
diariamente. As 90% de empresas não legalizadas certamente não investem em
treinamento, em procedimentos ou qualquer outra ferramenta que garanta a
segurança das aplicações e com suas atividades expõem a população urbana a
malefícios que vão desde intoxicações até acidentes envolvendo bens materiais e
pessoas.
Continuo, no entanto, com as mesmas ideias
do início da minha carreira. Não acredito em controlar pragas sem conhecer as
suas particularidades a fundo que conduzam a elaborar estratégias que incluam
ou não o controle químico.
O conceito de controle integrado de pragas
abrange oito passos distintos: Inspeção, Educação, Higienização, Construção, Manutenção,
Exclusão, Pesticida e Monitoramento. Todas essas etapas são importantes e o
peso de cada uma vai variar conforma as circunstâncias ambientais encontradas.
Inspecionar significa ter olho clinico para
todas as formas de acesso ou oportunidade para as pragas, o que exige um
conhecimento profundo de seu comportamento e biologia, o que conduz à educação
do profissional, do cliente, dos funcionários. Sem educação não há futuro, não
há controle, sempre haverá pragas. Os itens seguintes dizem respeito à forma
como erguemos nossas estruturas urbanas. Nossa ilusão é sempre a de que as
pragas não precisam ser pensadas nesse momento, pois elas podem ser combatidas
depois, e isso é um engano. O trabalho preventivo é importante demais e reduz
muito as possibilidades das pragas terem acesso às estruturas urbanas. O uso de
pesticidas que ainda é tão valorizado pode ser superado se houver um trabalho
sério preventivo. Todas as vezes que usamos pesticidas corremos riscos,
ambientais, humanos, que podem ser minimizados. E como fica o trabalho do
profissional de controle de pragas, onde ele se encaixa nesse quebra-cabeça? Aí
mesmo, nessa balança equilibrada entre prevenção a ação química, enriquecendo o
conhecimento a respeito desses animais, trabalhando como consultores que vão
prevenir males futuros. Durante a ultima Expoprag cheguei a conversar com uma
empresa do Paraná que trabalha única e exclusivamente com consultoria
preventiva e um mínimo de ação química nos ambientes, orientando adequadamente
os clientes na real e definitiva solução de seus problemas com pragas.
O futuro nosso é esse, aqui ou em qualquer
outro país. As realidades são diferentes, não há dúvida, até mesmo no Brasil,
que é um país continental com vários brasis dentro dele, há espaço para uma
mudança de atitude e de visão. Basta querer, basta investir e agir.
Lucia Schuller
Bióloga e Mestre em Saúde Pública
Artigo publicado na revista CIPA nº 430