CEE-FIOCRUZ
Se no último verão, o país esteve às
voltas com o enfrentamento da zika e da dengue, o verão de 2017 deverá trazer
mais um desafio aos gestores, em nível municipal, estadual e nacional: a
chicungunya. Nessa análise realizada para o blog do CEE-Fiocruz, o diretor da
Fiocruz Mato Grosso do Sul, o médico infectologista Rivaldo Venâncio da Cunha,
afirma que a doença atinge hoje todo o país e vem se alastrando de forma
vertiginosa: dos 650 municípios com casos notificados em todo o ano de 2015,
passou-se a 2.250, só até setembro de 2016, segundo dados do Ministério da
Saúde.
“Temos que nos preparar para
enfrentar nesse próximo verão um problema ainda maior do que imaginávamos”, diz
Rivaldo. E de nada adiantam soluções que se requerem imediatas, como a
pulverização de inseticidas em áreas urbanas, que só trazem danos à saúde e ao
ambiente, como afirma. “Não tem milagre”, resume Rivaldo. “Estamos lidando com
um passivo ambiental acumulado de 500 anos”.
Por Rivaldo
Venâncio da Cunha
Do início do
ano para cá, o cenário epidemiológico do país mostrou que estávamos,
infelizmente, certos, ao consideramos, naquele momento, que tínhamos um
problema sério, no que diz respeito a dengue, zika e chicungunya. É tão ou mais
sério do que imaginávamos. Em relação à dengue temos notificados no Brasil
cerca de 1,5 milhão de casos. É bem verdade que muitos desses casos notificados
como dengue sejam provavelmente zika, chikungunya ou alguma outra doença
circulando Brasil afora. Mas, de qualquer forma, a dengue com certeza continua
ocorrendo em larga escala no Brasil.
Além disso,
temos o constante e persistente crescimento da ameaça da zika, que se mostrou
um problema complexo e nos indicou que também estávamos na linha de raciocínio
correta, ao considerarmos não apenas a microcefalia, mas a zika congênita no
espectro de consequências da infecção pelo vírus nas gestantes. Já no começo do
ano chamávamos a atenção firmemente para a importância de se tratar a infecção
do vírus zika, que atinge a mãe e a criança, como questão congênita, tendo-se
na microcefalia, provavelmente, como uma das mais graves manifestações, mas não
a mais frequente. Os estudos desenvolvidos ao longo desses meses têm reforçado
essa observação, mostrando-nos uma quantidade grande de crianças nascendo com
cérebro de tamanho normal, mas apresentando outras alterações decorrentes da
infecção durante a gestação.
Quanto à
chikungunya, no próximo verão, deverá vir a ser um problema tão ou mais grave,
em abordagens diferentes, do que foram a dengue e a zika no verão passado. Já
foram notificados em 2016 215 mil casos de chicungunya, aproximadamente, no
Brasil. Se considerarmos que existe pelo menos um caso não notificado para cada
notificado, estaremos falando de praticamente 500 mil casos. Trata-se de uma
doença debilitante que também pode provocar incapacidade temporária nas pessoas
acometidas.
Quanto à
chikungunya, no próximo verão, deverá vir a ser um problema tão ou mais grave,
em abordagens diferentes, do que foram a dengue e a zika no verão passado
Não seria
exagero dizer, que, hoje, a chikungunya está atingindo praticamente todo o
Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, durante o ano de 2015 650 municípios
tiveram casos da doença notificados. Em 2016, foram 2.250 municípios, um
crescimento gigantesco. Durante todo o no ano de 2015, foram notificados cerca
de 38 mil casos de chikungunya Brasil afora. Durante o ano de 2016, até
setembro, o número passou a 215 mil, uma escalada vertiginosa da doença. Temos
que nos preparar para enfrentar nesse próximo verão um problema ainda maior do
que imaginávamos.
Os desafios
estão sobretudo em aportar recursos e infraestrutura para as pesquisas em
curso, e para outras em formulação, em instituições brasileiras e nas parcerias
com instituições do exterior. É essencial para que possamos melhorar nosso
conhecimento sobre diversos aspectos, em especial em relação a zika e
chikungunya, que ainda são desconhecidos pelos profissionais de saúde. Por
exemplo, no que diz respeito aos mecanismos de transmissão do vírus.
Comprovadamente, o mosquito Aedes transmite zika, no entanto, temos observações
que sugerem outras formas de transmissão do vírus, por exemplo, por via sexual.
Essa via de transmissão deve ser, sim, cada vez mais monitorada e avaliada para
que se possa ter a dimensão real da magnitude que esses mecanismos de transmissão
sexual pode ter no complexo geral da dinâmica de transmissão da doença.
Os desafios
estão sobretudo em aportar recursos e infraestrutura para as pesquisas em
curso, e para outras em formulação, em instituições brasileiras e nas parcerias
com instituições do exterior. É essencial para que possamos melhorar nosso
conhecimento sobre diversos aspectos, em especial em relação a zika e
chikungunya, que ainda são desconhecidos pelos profissionais de saúde
A tendência
é de as localidades que tiveram epidemia de zika entre 2014 e 2015 não terem
grandes epidemias no verão de 2016 para 2017, porque essas epidemias criam uma
barreira de pessoas com anticorpos ao vírus. Nesses locais, em tese, não haverá
epidemias tão graves quanto as anteriores. A expectativa maior fica em relação
àquelas localidades em que os vírus zika e chicungunya ainda não circularam de
forma intensa. Aí, a expectativa de epidemia no próximo verão permanece.
O substrato
para essas epidemias é a conjugação de diversos fatores, alguns climáticos e
outros, não. As chuvas que teremos no verão, a elevação de temperatura, que
também teremos, a dificuldade de recolhimento de resíduos sólidos, sobretudo na
periferia das grandes cidades, que vai se manter, infelizmente, o abastecimento
irregular de água em algumas regiões do país, que também vamos continuar tendo,
tudo isso contribui para que os focos de procriação e a intensidade e rapidez
de multiplicação do mosquito ocorram.
Recentemente,
o Congresso Nacional aprovou uma lei que autoriza a autoridade pública de saúde
a pulverizar as cidades com inseticida para matar o mosquito transmissor de
dengue, zika e chicungunya. Considero isso uma aventura ecológica, para não
chamar de crime ambiental. Esse inseticida que será pulverizado por meio de
aviões vai matar parte dos mosquitos, mas também vai matar abelhas, largartas,
pássaros, pequenos animais e levar ao desenvolvimento de alergias graves em
crianças. Ou seja, o impacto ambiental e sobre a saúde coletiva em hipótese
alguma justifica essa aventura.
Esse inseticida que será pulverizado por meio
de aviões vai matar parte dos mosquitos, mas também vai matar abelhas,
largartas, pássaros, pequenos animais e levar ao desenvolvimento de alergias
graves em crianças
Estamos
lidando com três doenças – quatro com a febre amarela – transmitidas por um
mesmo mosquito, que tem seus principais focos de procriação relacionados a um
passivo ambiental acumulado ao longo de 500 anos, acrescido, nas últimas
décadas, de um processo de desenvolvimento que resulta no uso intensivo de
garrafas plásticas, pets e outros apetrechos. Não tem milagre.
Fonte :
Fiocruz