sexta-feira, 1 de julho de 2016

CHUMBINHO UM RISCO À VIDA HUMANA E ANIMAL



Essa semana o noticiario fala de um crime? ou suicidio? envolvendo uma pessoa investigada por desvio de dinheiro e o que mais chama a atenção é o fato da morte ter ocorrido por ingestão de chumbinho, uma substancia ja abolida no Brasil e agora usada como arma.
Recentemente após uma apresentação em um Programa de TV onde falei sobre roedores urbanos uma telespectadora me ligou de Fortaleza no Ceará relatando o seu problema com roedores. O relato dela foi bastante interessante já que ela me confirmou um fato que é bastante conhecido na literatura e de todos que praticam profissionalmente o controle de roedores que é o uso de substâncias altamente tóxicas como é o caso do “chumbinho”. Coloco em aspas já que esse “produto” não é raticida; é apenas um produto em forma granulado para controle de pragas agrícolas e cujo uso foi “desviado” empiricamente para o controle de roedores. Provavelmente alguém usou como teste o produto para matar ratos, deu certo e a notícia se espalhou como pólvora, como toda a notícia ruim geralmente se espalha.
Nossos compatriotas brasileiros, infelizmente, relutam em seguir a legislação quando lhes convém, e em regiões menos adensadas ou com índices de informação menores, se é que podemos falar dessa maneira, são as que mais sofrem a ação de pessoas mal intencionadas que vendem tais substâncias e as autoridades que fecham os olhos a tais ações. Em uma visita a Salvador na Bahia pude constatar também a forma livre e descontraída com que é vendido o “chumbinho” em mercados populares e bastante frequentados.
Voltando à telespectadora, ela me relata o seu problema dizendo que não entende como, apesar de ter usado por várias vezes o chumbinho misturado com vários alimentos atrativos, ela não consegue matar os ratos já que eles não tocam na isca.
Existe uma resposta clara para essa pergunta e refere-se à “inteligência” dos ratos. Sei que muitos vão dizer que ratos são animais não racionais, que não possuem inteligência como os humanos. Pode até ser, mas pelo pouco que sabemos sobre os ratos podemos afirmar que eles têm uma forma de aprendizado que permite que eles evitem alguma coisa que pode ser um obstáculo, um objeto novo ou um alimento por suspeitar de sua segurança. Os animais são muito mais ligados em segurança do que nós humanos, pois eles sabem que o dia a dia deles é viver ou morrer. Seus movimentos diários em busca de alimentos ou a sua luta diária implica em muitos riscos. Quem se recorda de uma cena de um desenho animado que particularmente aprecio muito que é o Ratatouille? O herói da cena, um ratinho muito esperto e gourmet chamado de Rémy tem como função na colônia, através de seu apurado faro, selecionar os alimentos seguros dos inseguros, ou seja, os alimentos que continham ou não raticidas. Na vida real a biologia desses animais não é muito diferente do personagem do filme. Os ratos aprenderam através de tentativa e erro a evitar alimentos que provocam morte súbita ou muito rápida nos seus companheiros. Os ratos são animais gregários, ou seja, vivem em colônias onde há os líderes e os que obedecem aos líderes, as fêmeas e os filhotes e a questão alimento é um assunto de primordial importância.
O conhecido “chumbinho” que é muito comercializado no Brasil tem todas as características para ser evitado pelos roedores.
 O “chumbinho”, que nada mais é que o principio ativo Aldicarb (2-metil-2(metiltio)-propionaldeído O- (metilcarbamoil) oxima), foi introduzido na agricultura na década de 60 no controle de ampla variedade de insetos, ácaros e nematódeos.  O produto tem LD 50 estimado de 5 mg/kg de peso vivo, o que equivale a dizer que 400 miligramas dessa substância são suficientes para matar um homem  de 80 quilos em média. A DL 50 ou dose letal 50% de uma substância expressa o grau de toxicidade aguda das substâncias químicas. Corresponde às doses que matam 50% dos animais de um lote utilizados para experiência e são valores calculados de forma estatística a partir de dados obtidos nos experimentos. Com base nas DL 50 das várias substâncias são estabelecidas classes toxicológicas.
Ora, se tão pouco material mata um ser humano rapidamente o que acontece com um rato que pesa entre 200 e 550 gramas em média quando falamos de um rato de esgotos ou rato norvegico!
Claro que os ratos percebem essas mortes rápidas na colônia e logo associam ao efeito morte registrando mentalmente essa informação e passando aos demais membros da colônia através de uma linguagem pouco conhecida entre os cientistas. E é por essa razão que os ratos da nossa telespectadora de Fortaleza não morrem apesar de suas inúmeras tentativas de mudar o gosto do veneno, por mera esperteza. E assim vamos dizer que os ratos não são inteligentes? Fica aí a pergunta para quem quiser responder. Eu já sei que eles são, há muito tempo, além de serem oportunistas, resistentes, acrobatas, rápidos e outras qualidades mais que quisermos atribuir a esses bichos.
Voltando a falar sobre a substância encontrada no chumbinho, trata-se do aldicarb um carbamato e o Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas) apresenta dados em que 87% dos óbitos por suicídio no Brasil ocorrem por raticidas e, como os raticidas legalmente utilizados não causam morte súbita, concluímos que seja pelo uso indevido do “chumbinho”.
Em junho de 2012, a Anvisa cancelou o informe de avaliação toxicológica dos agrotóxicos à base de aldicarbe e, em outubro de 2012, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o cancelamento do registro do Temik 150. Com a decisão, estão proibidos no Brasil a produção, a comercialização e o uso de qualquer agrotóxico à base de aldicarbe.
Apesar dessa providência oficial o “chumbinho” ainda circula livremente no Brasil atendendo as expectativas de seus usuários em um primeiro momento e frustrando a seguir pelas razões já discutidas nesse texto.
A ANVISA alerta ainda que o “chumbinho” é um produto clandestino e que no rótulo não há quaisquer orientações quanto ao manuseio e à segurança, informações médicas, telefones de emergência, descrição do ingrediente ativo e antídotos que devem ser utilizados em casos de envenenamento, o que dificulta a ação de profissionais de saúde no atendimento a pessoas intoxicadas.
Os sintomas típicos de intoxicação por chumbinho são registrados em menos de uma hora após a ingestão e incluem náuseas, vômito, sudorese, salivação excessiva, visão borrada, contração da pupila, dor abdominal, diarreia, tremores e taquicardia.
Em caso de intoxicação, a orientação da Anvisa é que a pessoa ligue para o Disque-Intoxicação: 0800-722-6001. O serviço é gratuito e está disponível para todo o país.
 Lucia Schuller

Bióloga e Mestre em Saúde Pública