Essa semana o noticiario fala de um crime? ou suicidio? envolvendo uma pessoa investigada por desvio de dinheiro e o que mais chama a atenção é o fato da morte ter ocorrido por ingestão de chumbinho, uma substancia ja abolida no Brasil e agora usada como arma.
Recentemente após uma apresentação em um
Programa de TV onde falei sobre roedores urbanos uma telespectadora me ligou de
Fortaleza no Ceará relatando o seu problema com roedores. O relato dela foi
bastante interessante já que ela me confirmou um fato que é bastante conhecido
na literatura e de todos que praticam profissionalmente o controle de roedores
que é o uso de substâncias altamente tóxicas como é o caso do “chumbinho”.
Coloco em aspas já que esse “produto” não é raticida; é apenas um produto em
forma granulado para controle de pragas agrícolas e cujo uso foi “desviado”
empiricamente para o controle de roedores. Provavelmente alguém usou como teste
o produto para matar ratos, deu certo e a notícia se espalhou como pólvora,
como toda a notícia ruim geralmente se espalha.
Nossos compatriotas brasileiros, infelizmente,
relutam em seguir a legislação quando lhes convém, e em regiões menos adensadas
ou com índices de informação menores, se é que podemos falar dessa maneira, são
as que mais sofrem a ação de pessoas mal intencionadas que vendem tais
substâncias e as autoridades que fecham os olhos a tais ações. Em uma visita a
Salvador na Bahia pude constatar também a forma livre e descontraída com que é
vendido o “chumbinho” em mercados populares e bastante frequentados.
Voltando à telespectadora, ela me relata
o seu problema dizendo que não entende como, apesar de ter usado por várias
vezes o chumbinho misturado com vários alimentos atrativos, ela não consegue
matar os ratos já que eles não tocam na isca.
Existe uma resposta clara para essa
pergunta e refere-se à “inteligência” dos ratos. Sei que muitos vão dizer que
ratos são animais não racionais, que não possuem inteligência como os humanos.
Pode até ser, mas pelo pouco que sabemos sobre os ratos podemos afirmar que
eles têm uma forma de aprendizado que permite que eles evitem alguma coisa que
pode ser um obstáculo, um objeto novo ou um alimento por suspeitar de sua
segurança. Os animais são muito mais ligados em segurança do que nós humanos,
pois eles sabem que o dia a dia deles é viver ou morrer. Seus movimentos
diários em busca de alimentos ou a sua luta diária implica em muitos riscos.
Quem se recorda de uma cena de um desenho animado que particularmente aprecio
muito que é o Ratatouille? O herói da cena, um ratinho muito esperto e gourmet
chamado de Rémy tem como função na colônia, através de seu apurado faro,
selecionar os alimentos seguros dos inseguros, ou seja, os alimentos que
continham ou não raticidas. Na vida real a biologia desses animais não é muito
diferente do personagem do filme. Os ratos aprenderam através de tentativa e
erro a evitar alimentos que provocam morte súbita ou muito rápida nos seus
companheiros. Os ratos são animais gregários, ou seja, vivem em colônias onde
há os líderes e os que obedecem aos líderes, as fêmeas e os filhotes e a questão
alimento é um assunto de primordial importância.
O conhecido “chumbinho” que é muito
comercializado no Brasil tem todas as características para ser evitado pelos
roedores.
O “chumbinho”, que nada mais é que o
principio ativo Aldicarb (2-metil-2(metiltio)-propionaldeído O- (metilcarbamoil)
oxima), foi introduzido na agricultura na década de 60 no controle de ampla
variedade de insetos, ácaros e nematódeos. O produto tem LD 50 estimado de 5 mg/kg de
peso vivo, o que equivale a dizer que 400 miligramas dessa substância são
suficientes para matar um homem de 80 quilos
em média. A DL 50 ou dose letal 50% de uma substância expressa o grau de
toxicidade aguda das substâncias químicas. Corresponde às doses que matam 50%
dos animais de um lote utilizados para experiência e são valores calculados de
forma estatística a partir de dados obtidos nos experimentos. Com base nas DL
50 das várias substâncias são estabelecidas classes toxicológicas.
Ora, se tão pouco material mata um ser
humano rapidamente o que acontece com um rato que pesa entre 200 e 550 gramas
em média quando falamos de um rato de esgotos ou rato norvegico!
Claro que os ratos percebem essas mortes
rápidas na colônia e logo associam ao efeito morte registrando mentalmente essa
informação e passando aos demais membros da colônia através de uma linguagem
pouco conhecida entre os cientistas. E é por essa razão que os ratos da nossa
telespectadora de Fortaleza não morrem apesar de suas inúmeras tentativas de
mudar o gosto do veneno, por mera esperteza. E assim vamos dizer que os ratos
não são inteligentes? Fica aí a pergunta para quem quiser responder. Eu já sei
que eles são, há muito tempo, além de serem oportunistas, resistentes,
acrobatas, rápidos e outras qualidades mais que quisermos atribuir a esses
bichos.
Voltando a falar sobre a substância
encontrada no chumbinho, trata-se do aldicarb um carbamato e o Sinitox (Sistema
Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas) apresenta dados em que 87% dos
óbitos por suicídio no Brasil ocorrem por raticidas e, como os raticidas
legalmente utilizados não causam morte súbita, concluímos que seja pelo uso
indevido do “chumbinho”.
Em junho de 2012, a Anvisa cancelou o informe de avaliação
toxicológica dos agrotóxicos à base de aldicarbe e, em outubro de 2012, o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o cancelamento do
registro do Temik 150. Com a decisão, estão proibidos no Brasil a produção, a
comercialização e o uso de qualquer agrotóxico à base de aldicarbe.
Apesar dessa providência oficial o “chumbinho” ainda circula
livremente no Brasil atendendo as expectativas de seus usuários em um primeiro
momento e frustrando a seguir pelas razões já discutidas nesse texto.
A ANVISA alerta ainda que o “chumbinho” é um produto clandestino e
que no rótulo não há quaisquer orientações quanto ao manuseio e à segurança,
informações médicas, telefones de emergência, descrição do ingrediente ativo e
antídotos que devem ser utilizados em casos de envenenamento, o que dificulta a
ação de profissionais de saúde no atendimento a pessoas intoxicadas.
Os sintomas típicos de intoxicação por chumbinho são registrados
em menos de uma hora após a ingestão e incluem náuseas, vômito, sudorese,
salivação excessiva, visão borrada, contração da pupila, dor abdominal, diarreia,
tremores e taquicardia.
Em caso de intoxicação, a orientação da Anvisa é que a pessoa
ligue para o Disque-Intoxicação: 0800-722-6001. O serviço é gratuito e está
disponível para todo o país.
Lucia
Schuller
Bióloga e Mestre
em Saúde Pública